domingo, 4 de novembro de 2007

Insatisfeito?

Eu vi cair. Dessa vez eu vi. Num estrondo de dez cometas explodindo, passou por mim, e foi indo. Quem, além de mim diria que ia dar nisso? Mas deu - Quando a água fluía na montanha, não tinha esse ar de perigo que reina agora. Flora, que antes ocupava os espaços dessa barragem, agora é só copa, vista da margem. Que lago profundo. A fauna deu lugar à água, que por sua vez, encheu-se de peixes. E outros aquáticos -

O Barro vermelho que se desmanchava quando chovia, agora, ta lá no fundo do lago, guardado, retido, pesado, não manipulado. Lembro-me de quando Tião escultor moldava suas musas no barro desse lugar. As musas, certas vezes, nem tinham paradeiro definido. Ficavam instituídas como cidadãs dessas paragens.

Belas brotas, prostitutas, putas de esquinas, amanhecidas. Cansadas de dá em barracos. De limpar os pés em trapos de roupas que, um dia, as enfeitaram pros refulegos dos amantes. As meretrizes, mais que inspiradoras das esculturas, após ser banhadas pelos olhos de alguns compenetrados viventes apreciadores das obras do artesão, levantavam suspeitas silenciosas. Pois alguns relembravam de um momento amarfanhado no leito daquelas rameiras, ou de outras que se assemelha, e que proporcionavam alívios aos ais com bafo de álcool. Todos calavam diante da barragem e das esculturas a margem daquele espelho d’água insólito. Ambos traziam lagrimas aos olhos, que se juntavam, a temperar aquela paisagem de água doce, e lágrima salgada da saudade velada.

No que iria dar quilo tudo? Quem ficava mais mudo? Quem regava mais o barro? Tião, Com a mão, num ato de Adão? Os curiosos, que ao ver as prostitutas esculpidas, teciam seu silencioso refrão? Ou a natureza habilmente modificada?

Mas o estrondo foi do tombo de quando a barragem engoliu a margem. Não sobrou “esculputura” em pé. Não se ouviu lamento, tormento, bom censo. Xamã não fez mais ungüento, e da cachaça só boiavam as rolhas. O Lago agora era uma bolha. Cobria toda a cidade. Foi tão forte, que não deu tempo de ouvir, das viúvas, um alarde. E eu vi. Tava desde o começo contra essas aberrações. O lugar era de uma mansidão que não tinha com que comparar. Um errado dia chegou máquinas, puseram placas, desviaram curso de estrada e de água. Hoje tô vendo isso ir abaixo. Levando sonhos e realidades. O que tava em cima, em baixo e a margem?

A saudade agora é a minha bagagem. Saí pra percorrer minha angustia e de cima de um monte apreciei, com alegria de ter sobrevivido as duas tragédias. A da mão do homem e a da retomada da natureza.

Leudo, 2006-12-18